3.1.24

Desvario

A melhor escrita de Agustina está nas suas crónicas de jornal. O formato de duas páginas não deixa que se perca na narrativa, e com ela o leitor, apesar da sempre magnífica prosa. Não deve ser opinião popular, mas também não o digo para ganhar algum concurso -- apenas como ponto de leitor fidelíssimo. Reincido no dislate: a melhor escrita de Dulce Maria Cardoso está nas suas crónicas da Visão, entretanto editadas em dois volumes, até agora (“Autobiografia não autorizada”, Tinta da China) e não nas novelas. O motivo é decalcado do que avento para Agustina. “Desvario laborioso e empobrecedor é o de compor vastos livros; o de espraiar por quinhentas páginas uma ideia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos.”, disse Borges, no Prólogo de Ficciones. Seria desvario maior da minha parte tentar dizer mais uma palavra sobre o assunto. E assim me calo.

3 comentários:

  1. Não li as crónicas de Agustina e, portanto, nada posso opinar sobre elas. Não sendo o cume do meu gosto literário, reconheço na escritora um estilo e boa prosa; talvez mesmo óptima, apesar ou talvez pelo rococó tão característico na sua linguagem. Imagino que as crónicas sigam tal caminho. Ou, como em Lobo Antunes e até Mia Couto, divirjam, sejam outra coisa. Mas, como disse várias vezes Lobo Antunes, e sem desprimor para a crónica, são dois modos de escrita. O romance - e quero lá saber do dito por Borges -, é o que ficará de cada um desses autores se acaso algum passar à posteridade. O motivo, suponho que seja a qualidade da escrita e do narrado que aponta caminhos ao leitor, e sendo de determinada época é intemporal por defender valores básicos e analisar o que é comum a todos os homens sem ser moral catequizante. Há os autores que apontam o caminho pela negativa, os que são positivos, os que parecem dissolvê-los. É factor que depende da criatividade de cada um, do tema que abordam, e mais que aqui não cabe. Muita gente que na sua época foi muito vendida e teve críticas muito favoráveis, não passou do seu tempo de vida. Estão mortíssimos para a literatura hodierna ainda que tenham escrito romance e crónicas, à época muito ovacionados. O tempo dirá quem fica. Mas, os que ficarem, ficam pelo romance e não pela crónica. Parece-me muito redutor apreciar um autor pelas crónicas; ainda que seja verdade podermos gostar das últimas e não dos romances do mesmo autor.
    Um bom escritor fará sempre boas crónicas, mas existem bons fazedores de crónicas que não são escritores; basta dar uma olhada por blogues existentes ou abandonados porque a moda passou e os leitores do modelo transitaram de armas e bagagens para meios mais povoados; na verdade existem bloguers que postam crónicas extraordinárias e que julgo não serem escritores, porque estes amam ter lugar de nome próprio. Também julgo que existem demasiados escritores. E não apenas porque os leitores são poucos. Apesar de reconhecer que escrever um livro dá demasiado trabalho e precisa muito fôlego, isso não faz dele um bom livro. Lembro um professor que tive, "Alguns de vocês precisam horas e horas para ler a bibliografia e desenvolver um tema; outros fazem-no em muito menos tempo, mas têm melhores resultados. Ora eu aprecio apenas o resultado". Creio que acontece o mesmo com os romances.
    Bom dia, Xilre

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    1. De alguma forma, a crónica é como a poesia. Há grandes novelistas que são poetas sofríveis, no máximo, e grandes poetas que são escritores muito pouco notáveis. Veja-se a poesia de Saramago, que nem é o caso mais gritante, ou a prosa de Eugénio de Andrade (idem). Depois, há todas as inúmeras permutações: um bom poeta pode ser um bom cronista, por exemplo -- caso de Herberto. Para mim, Agustina é uma grande poetisa -- mas disso, ela discordaria profundamente e não sei de mais alguém que concordasse. Dulce Maria Cardoso é uma grande contadora de histórias. Por mim, desde que ela as conte, já me dou por satisfeito.

      Noite boa, bea.

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  2. Para mim, a melhor escrita de A. Lobo Antunes também está nas suas crónicas.
    Bom dia 😊

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