À Senhora que hoje de manhã, conduzindo com um cigarro numa mão e um telefone na outra, se atravessou à minha frente não respeitando a prioridade, a que cedi -- que remédio -- passagem, para que o dia não azedasse para ambos logo às nove horas de manhã, à Senhora, digo, compre a lotaria, o totoloto, o euromilhões; experimente o mergulho em apneia, o paraquedismo, uma viagem à caldeira de um vulcão. Sorte assim não se desperdiça, deve ser aproveitada ao extremo, para acumular riqueza material e, quem sabe, cognitiva. Experimente até conduzir sem qualquer mão no volante -- não que hoje o volante parecesse especialmente sob controlo. Experimente, mas longe de mim. Eu, pelo meu lado, enquanto me recordar, fugirei daquela rua como quem foge da má-sorte, a oito pés, não sete, e sem olhar para qualquer rasto na poeira.
14.7.25
13.7.25
Não temos cervejas normais
11.7.25
O bater de asas
Menina Shakti, a instrutora de yoga, vai radiar de júbilo com a ténue chuva de hoje e com a baixa de temperatura que se lhe seguiu, quase um assomo de outono à segunda semana de julho. Com os instruendos em processo de fusão a cada asana mais contorcida, Menina teve de restringir o repertório de modo a evitar que os seus transpirados e exauridos aprendizes não saíssem de maca por desidratação acelerada. Resultado: semanas de prática suavíssima, quase yoga nidra a anteceder o yoga nidra propriamente dito, mas ao menos sobrevivência coletiva -- presume-se que da maioria, pelo menos. Alguns dos regulares tornaram-se entretanto irregulares, mas acreditemos na sabedoria dos gálicos, pas de nouvelles, bonnes nouvelles. A prática voltará, assim se espera, se esta temperatura se mantiver equilibrada, ao seu ritmo habitual, mais rigoroso, mais alongado. O problema é que o equilíbrio do tempo, ou de São Pedro, o seu padroeiro, ou de ambos, não é lá grande coisa. Ai de mim, ainda assim melhor do que o meu, leitora, melhor do que o meu.
9.7.25
Misticismo balnear
Eu não gosto de ir para a praia com os meus amigos, diz Menino Ricardo. Eu gosto é de ir com a mamã e o papá. Prima Vaz telefona-me a dar nota da época balnear do neto, no colégio lá dele. Bem o entendo: quem é que quer ir a banhos num autocarro rodeado de dezenas de infantes barulhentos e desinquietos? Uma ida à praia deve ter o recolhimento, sei lá, de uma ida ao Convento dos Capuchos ou a solenidade de uma descida às catacumbas de El Escorial, em romagem aos restos de Carlos V. Nada de misturas com hordas de humanos, qualquer que seja a respetiva faixa etária, que não entendam a mística de tais atividades. Menino Ricardo está, sem dúvida, destinado a grandes feitos: quem sabe, um dia, irá à praia apenas quando tiver a certeza de que não se deparará com toalhas no areal pelo menos cinquenta metros em redor. Como eu, leitora.
6.7.25
Questões obrigacionais
Senhor Pedro da esplanada, mais daqui a pouco, quando fizer menos calor e lá me for sentar, haverá de me perguntar, Então o que é que o menino vai querer hoje? Bem demais sabe ele, que eu sou ser de hábitos firmes como os pilares que espreitam, orgulhosos, no rio em frente. Mais tarde, quando for à caixa pagar, o que acontecerá quando o Sol já se tiver rendido lá ao rés do horizonte, questionar-me-á, Então o que é que o cavalheiro paga? Ou as duas ou três horas de esplanada me trocam a idade como um relógio sem travões, ou, pelo contrário, Senhor Pedro faz uma distinção inequívoca entre o eu que pede e o eu que suporta, no fim, as consequências do que consumi. Antes posso ser irresponsável, mas na hora de me chegar à caixa, é o cidadão respeitoso e cumpridor que entrega o cartão e mais um punhado de moedas para o jarro das gorjetas. Não há equívocos. Que isto, leitora, da frequência das esplanadas é, tal como aqueles anúncios que dantes apareciam nos jornais, antes de toda a gente fazer tudo e de tudo com um ecrã à frente dos olhos, uma coisa com que não se brinca. Assim: Cavalheiro culto e asseado procura esplanada para relação estável e de longo prazo. Assunto sério.