3.11.24

a leveza da reconstrução

entre pedaços espalhados ao acaso
um jogo quase infantil de recomeçar

cada fragmento guarda um eco discreto
do que foi — mas agora é outra coisa

como folhas soltas que se tornam galho
ou pedaços de vidro que inventam luz

reconstruir é dançar com as sobras do tempo
dar-lhes forma, sem lhes pedir o passado

1.11.24

Novembro, 1

O empregado do restaurante ralha com os clientes da mesa ao lado e com razão. Então pedem uma sobremesa austríaca num restaurante italiano? Com franqueza…

30.10.24

a substância do simples

o que é simples não quebra,
não se desdobra em dualidade

permanece íntegro, indivisível
como a linha de horizonte

carrega em si o peso discreto
de existir sem hesitar

28.10.24

ferocidade do verso

o poema aproxima-se sem aviso —
primeiro bruma, depois floresta,
arrasta-se na sombra, instinto puro
toca-me com dentes de silêncio

é um lobo de palavras famintas
que devora o espaço entre respirações
um murmúrio voraz na pele inquieta
que se aninha e me fere devagar

cedo-lhe o papel, deixo-o cair em desabrigo
sinto-o arranhar as margens do sonho
e quando, por fim, repousa ao meu lado
não sei se o dominei ou se me tornei seu

27.10.24

veias de linho

há algo de sagrado no fio que se desfaz
como se cada rasgo sussurrasse um adeus

o tecido guarda, em silêncio, as histórias
que não precisaram de voz para viver

um nó escondido, um ponto ausente
traçam a anatomia de uma perda invisível

e na fragilidade, encontra a força —
uma memória que não ousa render-se

26.10.24

sábado de outono

A chuva traz
a sua própria luz:

cada gota
é um espelho
onde outubro
se multiplica.