31.8.23

vi(r)agens

regressas


mas é no ponto de partida que permaneces


[alfredo serras]

6.8.23

Pose

A coleira do cão (cadela?) de colo na mesa em frente é cor-de-rosa com brilhantes incrustrados e faz par com as tiras das sandálias da dona. Tão bem combinam, ademais, em tudo, humana e canídeo — altivez, movimento, expressão — que este é um caso de rara simbiose de que falam os livros. Não é com o companheiro masculino, figura diametralmente oposta, que a química é maior — é um palpite, é certo, mas quantas vezes não se revelam os palpites mais reais do que a realidade ela própria?

4.8.23

Check

HB — Check
2B — Check
4B — Check
Borracha-pão — Check
Diário gráfico — Check

O desenhador deve viajar leve como os seus traços — Check

2.8.23

Da Vinci

O mundo pode também deixar de produzir t-shirts pretas e é por isso que me abasteci das suficientes para enfrentar este longuíssimo agosto em tom sombrio ao jeito de Tomás de Alencar, tivesse ele idênticas preferências pelos cortes minimalistas. Não se veste preto no verão? Diria Tia Conceição: o que proteje do frio, protege do calor. Então este que se cuide, que não me apanha desprotegido, Senhora Minha Tia.

1.8.23

Moisés

Antes das férias abasteço-me de lápis e cadernos em quantidades diluvianas porque, evidentemente, o mundo para em agosto e sabe-se lá se voltarão a ser produzidos em setembro e sequer nos meses e anos subsequentes. E desenhar em tábuas de pedra, ao jeito de Moisés, é coisa que, com franqueza, ainda não me antevejo a tentar. Mas talvez esteja em bom tempo de rever expetativas, quem sabe.

30.7.23

Hummus

«Spread hummus not hate», aconselha a t-shirt do passante com aspeto de yogi. 

Só um resto de pudor me impede de lhe perguntar onde a comprou, para o imitar despudoradamente.

27.7.23

Casamenteiro

«Agora, a nuca tem de apanhar um bocadinho de Sol para esmorecer essa risca branca», anuncia Senhor Jerónimo depois de me aparar os restos do cabelo de Primavera, que ameaçavam já arrumar-se em trança de mandarim. «Agora, fazem-lhe falta uns mergulhinhos de mar, para curar isso de vez», anuncia-me Dona Ilda da Farmácia, ir a banhos para me livrar dos efeitos do Outono corrente no meu olhar lacrimejante e voz enrouquecida. Estão a poucos metros de distância, Senhor Jerónimo e Dona Ilda. Se fossem em tudo como são a propor-me o mesmo remédio para os meus diversos achaques, previa-lhes futuro brilhante de trapinhos juntos, até eu me oferecia para casamenteiro, asseguro.

26.7.23

Agosto

Terei sido a única pessoa de Portugal a constipar-se com o frio deste julho em Lisboa. Provavelmente em Portugal e na Europa, para não abranger zonas mais vastas do hemisfério norte. Creio que fui demasiado célere a guardar os casacos forrados a penas de ganso. Decididamente sobrinho de Tia Conceição que dizia: «Primeiro de agosto, primeiro de inverno.» E caramba, logo este ano o primeiro de agosto haveria de calhar ainda em julho, quem diria. Também ele decidiu comparecer mais cedo não houvesse alojamento daqui a uns dias. É ideia peregrina, bem sei, mas é original, o que é coisa mais rara do que visita papal, estou em crer.

22.7.23

Degustação

Fosse eu Joaquim, franzirira com certeza sobrolho a contração de nome para Jaquim. É decerto por obediência a tal emoção que aqui no restaurante de Senhor Tó eu me preparo para degustar Joaquinzinhos ao invés de Jaquinzinhos. Respeito é muito bonito, até aos carapaus quando estão em repouso (em corrida é outra conversa).

21.7.23

occam

a memória decisiva

é a da entrega


[alfredo serras]