De entre os livros a que regresso a cada seis meses, quando não a três, ou menos até, segundo a disposição, são as coletâneas de textos, publicados em sucessivos blogs — já desaparecidos — por um mesmo autor, que mais me prendem. Que desperdício, ocorre-me, a cada vez, pensar que muitos — quase todos? — os autores de blogs, não publicarão, não consideram sequer publicar o que escrevem nas páginas das internetes, em papel.
O que se perde, de boa memória e de melhor prosa, nos desaparecimentos de plataformas, que inevitavelmente têm vindo a suceder, tendência que não vai abrandar, e que leva ao naufrágio, sem remissão, de anos de muito do melhor que se escreveu em Portugal desde dois mil e cinco. Bem podem os autores na moda — e que me desculpem desde já os fãs de um João Tordo ou de um Valter Hugo Mãe — escrevinhar como se a tinta estivesse em vias de extinção, que ah, o pechisbeque é aquele material que fica baço assim que a mão lhe toca.
Hélas, nenhum deles, e de outros — tomados como estrelas brilhantes em vez de meros asteróides — que vamos encontrando no topo das listas de vendas das livrarias, chega à arte e talento de alguma da melhor gente que escreveu — alguns, felizmente, ainda escrevendo — nisto dos “web logs” que, por preguiça e conveniência, abreviamos para “blogs”(*).
(*) Mas nunca, por todos os deuses das internetes e da língua portuguesa, “blogues”.
Foi assim que a Isabela Figueiredo começou...e a Ana de Amsterdam...alguém as foi buscar e quando passaram ao papel, fecharam as janelas aqui, não que as critique... Cada um trilha os seus caminhos e o valor de uma coisa e da outra acho que se completam e não se anulam, há quem mantenha os espaços em aberto muito tempo como foi o caso do Manuel Jorge Marmelo ( Blog Teatro Anatómico) que infelizmente também o fechou. Sobre o X pouco sabemos ( ou eu pouco sei)...se calhar tem aí livros editados com outro nome qualquer, a qualidade da sua prosa (e dos desenhos) bem o merecia.
ResponderEliminarOu o José Carlos Barros, que ganhou há pouco tempo o prémio Leya, ou o Pedro Mexia -- muitos, de facto. Mas balizados no tempo. Muito obrigado, cara CC pelas suas palavras -- ainda que, tal como provavelmente a maioria dos que escrevem online, ache que passar ao papel é um salto maior do que as minhas pernas...
EliminarO meu lamento é que considero que no meio do empastelamento crescente da literatura "que se vende", a escrita dos blogs mantém uma frescura, um imediatismo, que se perdeu algures. É isso que busco neles e por isso os leio, e por isso também regresso amiúde a alguns livros -- poucos, infelizmente -- que conseguiram preservar essa frescura como uma cápsula do tempo.
Que saudades da Casa de Cacela...mas o Mexia já tinha publicado antes do blog...ou não?! Do dele não me lembro o nome mas ainda o li um ano ou dois. No mais, atreva -se e salte...tem pernas para isso.
EliminarEle fazia um blog, fechava e publicava o livro do blog… Fê-lo quatro ou cinco vezes. A última foi o Malparado, já lá vão nove anos. Depois, passou a conselheiro do PR e deixou de escrever em blogs, com grande pena (pelo menos) minha…
EliminarE as Editoras, Mr. X...? Não estão receptivas apenas a êxitos internacionais ou, cá dentro, a nomes que vendem independentemente do conteúdo (melhor: mesmo que sem conteúdo)? E quem é que suporta a indústria livreira? Apenas os que já precisam de óculos para ler, não é? Qual a percentagem de jovens que lê? É que já nem televisão gostam de ver...
ResponderEliminarCara UJM, as editoras podem, hoje, fazer tiragens pequenas -- quase como provas de conceito. Assim o fazem com a poesia (tiragens de 100 exemplares não são incomuns, feliz ou infelizmente). Não há 100 leitores para um livro baseado num bom blog? Tenho a certeza de que os há.
EliminarAgora sobre o que toca aos jovens é outro assunto -- e que é o mesmo que afloro num post anterior. A Internet não matou apenas a leitura, matou a escrita. Porque a escrita se alimenta da leitura, e a leitura se alimenta de tempo ininterrupto. Aquele que dantes havia nas férias grandes, ou nas outras, ou nos fins de semana de inverno, quando nada havia para fazer senão pegar num livro e ler. Assim li coisas como "As vinhas de ira" aos 16 anos, algo assim. A Internet -- que permitiu o aparecimento dos blogs -- trouxe com ela o extermínio do tempo sem nada para fazer. Há sempre algo a acontecer. E acontece tudo, menos a leitura, e com ela a escrita. O apogeu trouxe, com ele, a semente da queda.
Não creio que existam hoje editoras disponíveis para acolher colectâneas de pequenas crónicas. As editoras ou estão descapitalizadas (o preço do papel também não ajuda) e não querem apostar em nomes não mediáticos ou investem, sobretudo, em êxitos mainstream. Há dezenas e dezenas de editoras mas creio que poucas ou nenhumas que 'peguem' em ilustres desconhecidos. Claro que há sempre a auto-publicação mas creio ser coisa mal frequentada. Por isso, creio que há uma aridez editorial que exclui a passagem a papel do que se vai publicando na blogosfera.
EliminarNão gosto de ser pessimista e quero guardar alguma esperança de que apareçam vozes capazes de pedradas no charco editorial mas, enfim, não estou particularmente optimista.
Quanto à erosão cultural que vem do uso absoluto da internet, concordo totalmente. É uma coisa terrível, de mal a pior.
Não apenas meio mundo se contenta com engolir o que mil outros antes já mastigaram, como, a nível da juventude, o grande gozo já nem passa pelos Faces e Instas desta vida: agora é ver vídeos em que outros jovens dizem disparates, em particular putos brasileiros a comentarem jogos de computador ou de futebol. Os meus netos, os rapazes, mal se apanham com tempo livre, querem é ver disso. E têm pais que tentam incutir-lhes o gosto pela leitura. E, para meninas, há o equivalente mas com tutoriais sobre maquilhagem ou comentários sobre outras tretas, geralmente em brasileiro. E entretêm-se com isso e não têm paciência para pegar num livro e ler.
Não sei como é agora o ensino da Língua Portuguesa mas sei que combater o facilitismo e a mediocridade que são omnipresentes (via tiktok, influencers no youtube e etc.e tal) é quase como querer parar a força do mar com as mãos.
Também aqui é necessária muita ousadia, muita criatividade para engendrar formas eficazes para combater isto.
Esta semana, li uma notícia onde se dava conta de que os alunos já chegam às universidades americanas de referência sem ter lido um único livro. Por cá, creio que tal não acontece ainda. Mas como somos tão bons a imitar as modas, não deve tardar. Como bem diz, UJM, travar o mar com as mãos…
EliminarPorquê nunca "blogues"?!
ResponderEliminarHá quem escreva por prazer e para arejar e assentar ideias. O blogue serve-lhe melhor que um caderno onde teria que riscar, apagar, passar a limpo. São mundos distintos, não têm de se complementar, ainda que possam.
Cara bea, porque o uso do termo blogue me causa um stresse semelhante ao que causaria a um adepto do Sportingue ser convidado para um evento de marquetingue do centro de fitnesse do Benfica...
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