12.9.24

Labirinto

De 1954 a 1968, Isabel da Nóbrega foi companheira de João Gaspar Simões. De 1970 a 1984, viveu com José Saramago. Gaspar Simões tinha sido amigo, correspondente e biógrafo de Fernando Pessoa. Ao tempo da relação com Isabel da Nóbrega, publicou a correspondência que havia mantido com Pessoa, assim como trabalhos de biografia e interpretação da obra pessoana, quer editados em livro, quer apresentados em congressos.

“O ano da morte de Ricardo Reis”, de Saramago, foi escrito e publicado durante os anos em que Saramago viveu com Isabel da Nóbrega. Já havia sido Isabel a levar Saramago a Mafra pela primeira vez e apresentar-lhe o convento — até, inicialmente, com a resistência do futuro escritor do “Memorial”.

Terá sido mera coincidência que Saramago tenha decidido criar uma obra centrada em Ricardo Reis, enquanto vivia com alguém que terá convivido quotidianamente com a vida e obra de Pessoa durante quase duas décadas?

Ironia do destino, Pilar chegou à vida de Saramago após ler “O ano da morte de Ricardo Reis”, e Saramago decidiu “matar” a memória de Isabel — nomeadamente apagando-a das dedicatórias dos livros — após a entrada de Pilar na sua vida.

Como diria Agustina, “nada é o que parece ser”. Não parece ser por acaso que no início de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” Saramago refira o livro (fictício) “O deus do labirinto”.

No caso da história de Isabel da Nóbrega e de José Saramago (com participação convidada de João Gaspar Simões e, claro, de Pilar del Rio), quem é o deus, qual é o seu labirinto?

16 comentários:

  1. São tudo signos da água: susceptíveis, permeáveis...
    Simões e Pilar ambos Peixes.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Escorpião, Saramago -- o Zodíaco tem destas ironias...

      Eliminar
  2. O labirinto é a vida, ela mesma... vá-se lá saber...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Valham-nos os fios de Ariana que ainda vamos podendo estender, neste intrincado labirinto...

      Eliminar
  3. Não sei avaliar situações em que desconheço grande parte da vida dos autores, sejam eles quem forem. Mas o passado é aquilo que não tem mudança. Saramago entendeu que podia mudá-lo retirando uma dedicatória.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na formação de Saramago havia -- infelizmente -- precedentes bem conhecidos para este ímpeto de reescrita do passado... (e, sendo ficcionista, porque não ceder à tentação de se recriar como ficção?)

      Eliminar
  4. Pois, essa estorieta de Saramago... Enquanto escritor, é mau e burro. Só tem o «Memorial» entre os decentes. E com muitas reticências. «Ensaio sobre a Cegueira» ou «O Evangelho Segundo Jesus Cristo», só para dar dois exemplos de livros amplamente vendidos (que não é o mesmo que lidos), são tão maus que mete dó.

    Enquanto pessoa, não me parece que tivesse sido muito melhor do que mau e burro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Li Caim há poucos meses -- não me impressionou, tal como muitos outros dele não me deixaram marca. São livros de que não recordo uma frase, infelizmente. Mas tenho boas recordações do Memorial, de alguns poemas (possíveis), de um ou outro livro mais. Não me perturba o reconhecimento que teve enquanto escritor. Já quanto ao senhor José de Sousa Saramago, não faço vénia.

      Eliminar
  5. Esse apagamento sempre fez de Saramago um homem de pouca "espinha", para mim. Nenhum amor deve apagar o outro. Cada um tem o seu lugar.
    Para além de que ele nunca cresceria como escritor sem a Isabel.
    Boa noite, Xil.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na verdade, por mais voltas ao mundo que tenha dado, por mais que Isabel da Nóbrega tenha feito para o trazer para o mundo e para outra modernidade, foi sempre o José de Sousa Saramago, nascido na Azinhaga, Golegã em 1922. Um homem fruto do seu tempo e do seu espaço. Essa é a verdade.

      Boa tarde, Maria

      Eliminar
  6. A troca da destinatária das dedicatórias de Saramago nos livros do tempo anterior à Pilar, eliminando Isabel da Nóbrega, não ficou bem no retrato, de facto.
    Mas prefiro não desenvolver, a partir daqui, qualquer irritação maior: afinal o que sabemos nós ao certo do que se passou entre paredes e dentro dos corações da vida dessas pessoas?
    Sei que admiro muitíssimo a obra de Saramago. Discordo do Diogo, acho Saramago inteligente, de bom coração, e a sua peculiar maneira de escrever, luminosa, maravilhosa.
    A mim, Saramago já deu muito. Todos os momentos que passei a lê-lo foram bons, ou mesmo felizes. E não posso deixar de colocar isto no prato da balança.
    Bom dia, caro Xilre. :-)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah, cara Susana. Gostaria de conseguir dissociar assim o homem da obra. Feliz, ou infelizmente, sabemos alguma coisa sobre o que se passou entre paredes -- e um bocadinho dentro dos corações, também. Lendo biografias (existem duas sobre ele) e testemunhos dos mais próximos percebe-se que houve uma relação abusiva (a vários níveis) que raiava a violência doméstica (não necessariamente física, mas certamente psicológica). Talvez tivesse bom coração no sentido anatómico, mas não creio que o tivesse no sentido metafórico. A "aniquilação" de Isabel não foi acaso, foi padrão (a passagem dele pelo DN, onde aliás foi ela que intercedeu para ele ser diretor, foi marcada pelos célebres saneamentos conduzidos por ele e onde mostrou essa mesma face). Há um belo poema de Adília Lopes sobre as pessoas boas que creio que se aplica bem ao senhor José de Sousa Saramago (independentemente do mérito do escritor José Saramago).

      Uma boa tarde para si :-)

      Eliminar
    2. Saramago, para mim, é um mau escritor. É uma cartilha, uma extensa mancha de texto, de mau gosto. O homem falava de vinho e dava uma bicada na Igreja Católica, o homem virava-se para as pantufas e, ao invés de as calçar, mandava mais umas patacoadas na Igreja Católica. Depois, quando teve todo o campo livre para fazer lá a revanchada imaginária dele contra a Igreja, saiu o «Evangelho Segundo Jesus Cristo», o pior livro de que me lembro ler. O Caim, que o Xilre leu, nem tento..., fiquei na Viagem do Elefante. Esquecível também, foi numa ronda de vendas. Já vendi quase todos. Só conservo dois. De resto, nem notícia.

      O homem tinha uma vaidade dos diabos na escrita e uma deselegância de modos no coração. Muito mau.

      Eliminar
    3. Ó Diogo, mas olha que ele escreveu um livro encomendado pelo Circulo de Leitores, muito antes do Nobel, chamado Viagem a Portugal, em que a intensidade das visitas às igrejas é tanta que nem eu consegui acabar de o ler. Nunca senti essa animosidade na escrita de JS contra a Igreja Católica, mas é certo que (ainda) não li nem o Evangelho nem Caim.
      Até encontrei, por exemplo em Ensaio sobre a lucidez, uma belíssima ode à fraternidade, à cooperação humana, ao trabalho voluntário para um bem comum. Que me parecem ser valores cristãos.
      Mas olha, que boa é esta diversidade de opiniões.
      :-)
      Boa noite, caro Xilre, e desculpe o abuso do espaço para conversar com o Diogo. :-)

      Eliminar
  7. Susana, estava à espera de um comentário assim para dizer que o subscrevo na íntegra. Eu não seria capaz de o escrever tão bem.
    É sempre de lamentar que um grande amor acabe assim, mas quem sabe o que se terá passado...
    E ninguém é perfeito, penso eu.
    Boa tarde, caro Xilre🍁🍂

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não sabemos, mas há quem tenha acompanhado o caso de perto e tenha deixado testemunho de viva-voz. Creio sempre que há que separar o autor da obra. Mas também creio que conhecer o autor, informa a leitura da obra. Abre outras dimensões de leitura.

      Boa tarde, cara Maria ☀️

      Eliminar