O problema não está em James, esse erudito secreto e algo esquivo, que parece aceitar de antemão a minha dificuldade em decifrá-lo. Não, o problema está no adolescente que fui, aquele que, aos quinze anos, leu “As Aventuras de Huckleberry Finn” com a despreocupação de quem atravessa um campo de girassóis: sem mapa, sem pressa, e com a certeza de que nenhum dialeto podia ser mais complicado do que regressar a casa à hora estipulada pela autoridade materna. Huck, nas mãos de Mark Twain, era um guia benevolente, sem pretensões pedagógicas, que me deixava correr descalço pelo Mississípi, ignorando cada “y’all” e “ain’t” como se fossem apenas música de fundo — até porque estavam traduzidas nalguma improvável alternativa portuguesa.
Já o “James” de Percival Everett, implacável, exige mais. Exige que eu pare, que leia em voz alta, que procure no YouTube tutoriais de sotaques sulistas para compreender diálogos que me soam a poesia críptica. Onde Huck sorria das minhas falhas, James levanta uma sobrancelha crítica. Talvez seja isso que me atormenta: não o dialeto em si, mas o espelho que Everett segura, mostrando-me que, afinal, já não sou o leitor adolescente que flutuava pelo Mississípi, mas um adulto que tropeça em cada frase como quem tenta dançar sapateado descalço. Entre o Mississípi de Twain e o de Everett, descubro que há duas formas de viajar: uma é deixar-me levar pela corrente, outra é enfrentar os redemoinhos do idioma — e, com sorte, não me afogar em cada frase.