31.12.24

Prelúdio da ansiedade coletiva

Às 18:00, 31 de dezembro parece ter encontrado o seu verdadeiro propósito: medir a incapacidade humana de lidar com o tempo. Os foguetes irrompem no céu como argumentos mal construídos, num debate sonoro contra a cronologia. Da janela fechada, ouve-se o retumbar hesitante de explosões que não sabem ainda se são celebração ou mero ensaio para algo maior.

A casa vibra ligeiramente, como se quisesse opinar sobre o absurdo, mas desiste. Lá fora, o som ecoa em ondas cada vez mais frenéticas, uma cacofonia que sugere que talvez o ano, de facto, não consiga esperar pela meia-noite. O céu, invisível por detrás das cortinas, provavelmente permanece indiferente, enquanto cá dentro, o pensamento paira: se isto é o prelúdio, que ruína nos aguardará no clímax?

2 comentários:

  1. Percorri os canais de TV e sua alegria falsa e desajeitada, canhestra de todo. Para quem não costuma dedicar-se à caixinha mágica, foi espectáculo confrangedor a que não entendi sentido. Alargou-se a sensação de não pertencer a este mundo. Fica-me a dúvida: alguma vez esse tal mundo de pertença existiu, ou foi tão só o meu sonho e a ignorância a fazê-lo real.

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    1. Cara bea,
      a sua descrição do desfile de artifícios televisivos complementa a orquestra de dissonâncias lá fora – uma sinfonia de fingimentos, cada nota mais desafinada que a anterior. Talvez esse mundo de pertença, se alguma vez existiu, tenha sido um reflexo fugaz numa poça de água, distorcido pelo vento e pela pressa. Ou então, é como aquele eco que ouvimos numa sala vazia: não é um som que nos pertence, mas a memória de um que já não reconhecemos.

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