Em pleno século XXI, enquanto o mundo se desdobra em corações de pelúcia e chocolates efémeros, ergo-me como devoto de um ritual mais subtil: o meu chá verde. Não é mera infusão, mas uma cerimónia que obedece à liturgia do terroir — folhas colhidas nas encostas de Uji, Japão, onde a névoa matinal beija os brotos como um amante discreto. A água, aquecida a 80°C (nunca mais, nunca menos), é derramada com a precisão de um relojoeiro suíço, porque o amor, tal como a Camellia sinensis, exige temperança. Afinal, São Valentim, o mártir que desafiava imperadores para unir casais, certamente apreciaria esta rebeldia silenciosa contra a vulgaridade das chávenas de micro-ondas.
O tempo de infusão — três minutos exactos — é uma metáfora do cortejo romântico: acelerar é queimar as nuances, hesitar é desperdiçar o potencial. Enquanto as folhas se desdobram na água, lembro-me das raparigas que bordavam lenços com versos secretos para os namorados, transformando linho em poesia. O meu chá, como aqueles panos amorosos, guarda mensagens cifradas: o primeiro gole, marinho como a saudade; o segundo, suave como um compromisso; o terceiro, doce como a cumplicidade. E se os antigos romanos ofereciam grãos a Cupido, eu ofereço à xícara uma pétala de rosa — porque até Vénus, na sua espuma, reconheceria aqui um elixir de sedução.
No fim, o ritual transcende o líquido âmbar. É uma ode ao detalhe, à paciência, ao cultivo do invisível — tal como São Valentim, que plantava sementes de amor em casamentos clandestinos, ignorando a espada do imperador. Enquanto o mundo celebra o amor em versão fast-food, eu brindo ao meu chá: parceiro constante que jamais se ausenta, não procura a Lua em dia de nuvens e, nas manhãs frias, aquece as mãos como um abraço prolongado. Porque, no fundo, amar é também saber esperar — pela temperatura certa, pela folha certa, pelo momento certo. E se isso não é romance, que me devolvam as pétalas da infusão.