23.11.24

Coreografia de um dia lento

Existe uma conspiração silenciosa nos sábados de manhã, quando o tempo — esse relojoeiro ébrio — tropeça nas suas próprias horas. As ruas da cidade parecem ter treinado durante dias para esta desaceleração calculada, onde até os eléctricos da Graça deslizam com a indolência de um verso esquecido. O sol atravessa as janelas dos prédios pombalinos, ensaiando o seu papel de ilusionista ao revelar grãos de pó que flutuam em órbitas improváveis. Nos cafés e esquinas, pequenos rituais insurgem-se contra a ditadura dos dias úteis: o empregado polvilha o balcão em círculos hipnóticos; uma chávena de café fumega abandonada numa mesa, perdida em pensamentos; as cadeiras vazias nas esplanadas viram-se para o sol, pacientes, quase cúmplices. E assim, nesta dança de silêncios e movimentos pausados, o sábado vai tramando a sua teia de momentos suspensos — enquanto o resto da semana espreita pela fechadura, invejando este intervalo perfeito.

2 comentários:

  1. Sábado é todo um ambiente propício ao vagar e às coisas pequenas que sustentam cada um. As noites de sexta e sábado são as noites confortáveis. Sem hora de acordar, a gente olha o relógio no horário dos dias úteis e preguiça de gratidão a duas manhãs que, sejam o que sejam, se distendem a gosto. Penso com muita força que estes momentos nos animam a velocidade dos outros dias.
    O seu texto está uma maravilha, Xilre. Porque diz.

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    1. Agradeço as suas palavras generosas, bea. Diria que os sábados são como aquele amigo excêntrico que nos convida a desacelerar e, com sorriso cúmplice, lembra que o tempo não se mede apenas em horas. Há algo de mágico nesse vagar que descreve, como se o mundo, por breves instantes, se recordasse de respirar.

      E talvez seja isso que nos anima para os outros dias – saber que, no meio da correria, há sempre um sábado à espreita, pronto a lembrar-nos que, por vezes, a pausa é o gesto mais ousado.

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