Entre o bacalhau à minhota e as rabanadas ensopadas em aguardente, os clientes de Senhor Basílio não podem evitar sentir-se observados. São dezenas de galos de Barcelos, alinhados em prateleiras que cobrem as paredes como testemunhas de um julgamento perpétuo. Cada um, com a sua plumagem pintada à mão, parece conter uma alma deslocada: um galo antigo com ar de resignação; outro, moderno, exala uma arrogância que só pode ser descrita como pós-moderna. Basílio, entre uma anedota dos seus tempos de mala de cartão e uma receita herdada da bisavó, garante que são todos autênticos, herdeiros de um folclore que ele próprio trata como religião. Nos galos, o seu Olimpo de porcelana, governando o espaço com quietude divina.
[Traços: x.]
Vá lá que são de loiça, que os de carne e osso estão em época de engorda e não lhes tarda a faca no pescoço, um pé a esmagar-lhe as asas. Ou perdem o pio à máquina. Por vezes julgo-nos uns depravados. Mas é que lhes gosto da carne ainda que as cabidelas já não me caibam.
ResponderEliminarCada um tem o seu Olimpo, mas temos de convir, um que seja paraíso de galos falsos, é um bocado triste. Para não dizer pobre.
Talvez o Olimpo dos galos não seja pobre – é kitsch, o que não deixa de ter a sua nobreza. Cada galo, com a sua pose de sobrevivente esmaltado, escapa à fatalidade das asas esmagadas e do pio roubado. Há quem veja arte no grotesco; outros, só vitrines poeirentas.
EliminarQuanto às cabidelas, compreendo o desconforto. Somos depravados, sim, mas também contraditórios. Celebramos o ritual da carne enquanto fingimos esquecer a faca. Talvez o nosso verdadeiro Olimpo seja feito dessas ironias – tragédias disfarçadas de iguarias.
Feliz início de dezembro, bea