Na penumbra da sua loja que tem tudo, entre sacos de arroz perfumado, chinelos de plástico e ferramentas de função misteriosa, Senhor Chang atravessa um paradoxo digno de Hegel: a rigidez disciplinada do confucionismo encontra-se, por fim, com a elasticidade ontológica do Alentejo. Outrora impassível perante os ponteiros do relógio, hoje entrega-se ao longo almoço alentejano como quem descobre um novo axioma. Com a porta entreaberta, o aviso improvisado —
Volto já, ou talvez não — dança ao sabor da brisa quente. É então que percebemos: não se trata de preguiça, mas de uma meditação intercultural sobre o tempo, onde o relógio, como o chapéu de palha, apenas serve para marcar o intervalo da luz.
Sempre pensei que a lenta e sofrida realidade alentejana assenta muito bem aos chineses, também eles isentos de pressa e capazes de aguentar agruras sem queixa.
ResponderEliminarIsentos de pressa e capazes de aguentar agruras sem queixa — uma descrição que, convenhamos, lhes assenta como uma luva. O Alentejo e a China, distantes no mapa, parecem encontrar-se na mesma filosofia: tudo o que vale a pena requer o tempo que exige.
EliminarEpa, que texto magnífico.
ResponderEliminarMuito grato, Diogo. Este texto procura tocar numa verdade nem sempre recordada: o descanso, quando entendido como um gesto consciente, é mais do que pausa — é resistência silenciosa ao império da pressa.
EliminarUma aprendizagem essencial, saber parar, saber descansar. A verdade é que há certas trocas entre culturas que só pontuam a favor do bem estar e é este o caso. Além disso escrito de forma bonita e sensível.
ResponderEliminarMuito obrigado, CC. Sem dúvida, a capacidade de parar é uma arte em vias de extinção, mas que aqui encontra refúgio. E sim, há algo de profundamente humano — e universal — nesta troca de ritmos entre culturas, onde a beleza talvez resida na forma como ambas permitem que o tempo lhes pertença.
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