30.12.24

A arte de prever o imprevisível

Nos últimos dias de dezembro, o mundo dedica-se a uma tradição imemorial: o jogo inútil das previsões para o ano seguinte. Economistas ajustam gravatas e anunciam crises ou milagres, dependendo do humor. Astrólogos invocam conjunções cósmicas com uma solenidade que faria inveja a druidas, e os meteorologistas – esses leitores de folhas de chá atmosféricas – tentam antecipar os caprichos do verão como quem tenta domar um gato persa. Entretanto, nós, espectadores perplexos, fingimos acreditar, como se ouvir que 2025 será «um ano de mudança» não soasse exatamente como as promessas daquele amigo que insiste em começar a correr todas as segundas-feiras.

A história, claro, não ajuda. Em 2019, juraram-nos prosperidade e aventuras. Veio uma pandemia. Em 2020, prometeram um regresso à normalidade. Veio 2021 e mostrou-nos que a normalidade é relativa. Em 2021, previu-se paz para 2022. Pois. Ainda assim, teimamos. Talvez porque há um certo charme nesta esperança desmemoriada. Acreditar que 2025 será diferente – mais organizado, menos caótico, com uma pitada de sorte astral – é o equivalente filosófico de comprar um planner novo, sabendo perfeitamente que em fevereiro já estará a servir de base para chávenas de café.

O grande problema das previsões é que são mais teimosas do que precisas. Quando falham, nunca se retraem – recalculam, como um GPS indeciso. Se o crescimento prometido não aparece, a culpa é do mercado. Se o romance anunciado por Vénus se atrasa, há sempre a desculpa de Mercúrio retrógrado. No fundo, prever o futuro é como montar móveis suecos: o manual nunca faz sentido, mas continuamos a fingir que sabemos o que estamos a fazer, mesmo com peças sobrantes no final.

Talvez seja melhor assim. O charme destas previsões não está na precisão – seria um bocejo se acertassem. O encanto está no absurdo. Entre promessas de equilíbrio económico e de fortunas fulminantes, construímos narrativas para alimentar jantares e brindes – e pretextos para comer passas. E depois, quando o futuro acontece – sempre inesperado, sempre desconcertante – rimos de nós mesmos e do planner abandonado. Afinal, que graça teria o novo ano sem a leve certeza de que começamos todos com as peças trocadas?

8 comentários:

  1. O que eu gosto do que e do como escreve.
    Não estou para os ouvir a desdobrar desejos que soam palermas face â realidade. São parecidos aos horóscopos.

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    1. Faço minhas as palavras da bea.

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    2. :) é bom ter um eco de vez em quando.

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    3. Quanto ao novo ano, desejo que 2025 nos traga menos previsões e mais improvisos bem-sucedidos. Afinal, viver é esse delicioso exercício de contrariar expectativas – às vezes com peças que sobram, outras com móveis que nem sabíamos que queríamos montar. E se nos rirmos um pouco mais pelo caminho, tanto melhor.

      Bom ano – que as passas sejam doces e as narrativas ainda melhores. 🍇

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  2. Prever o imprevisível é arte subtil,
    É dançar com o vento, é se deixar levar,
    É encontrar no caos um jeito gentil
    De abraçar o que está por chegar.

    Se quiser falar sobre o que deseja para o próximo ano ou quais as mudanças deseja encontrar, fico feliz em ajudá-lo.

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    1. que o novo ano seja um lume brando
      a aquecer silêncios e promessas
      um passo seguro entre o incerto e o espanto
      um sopro leve, onde tudo recomeça

      e ao erguer o seu brinde ao mundo,
      diga apenas, sem segredos ou pressa:
      Prosit Neujahr!

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  3. Deixei, há muito, de formular desejos. Mas não deixo de sentir alguma esperança...
    Um brinde a ti e aos teus, caro Xilre!
    Um abraço.

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    1. Há algo de profundamente humano na esperança que persiste mesmo quando os desejos ficam por formular. Talvez seja essa faísca discreta, quase imperceptível, que nos mantém a caminhar – não tanto pelo que desejamos, mas pela possibilidade implícita de que algo inesperado nos surpreenda.

      Um brinde, então, à esperança, que tem o mérito raro de não se impor, mas de simplesmente existir. E que o novo ano seja gentil e generoso. Abraço retribuído

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