16.3.25

O pastel

O pastel de Belém chega à mesa com a solenidade de um artefacto histórico, envolto na aura que lhe confere a dignidade de algo que transcendeu a mera condição de prazer transitório. O funcionário pousa o prato com o rigor de quem já repetiu este gesto mais vezes do que as que consegue contar, indiferente ao entusiasmo discreto de quem se prepara para a degustação lenta desta prova do engenho dos intermediários de Deus d’outrora. Polvilho canela, sem urgência, observando o leve levantar do fumo que denuncia o calor ainda preso na massa. Há, na crocância do primeiro toque, um prazer que não precisa de justificação: uma rendição silenciosa à decadência óbvia do anti-epicurismo. Ali ao lado, o Mosteiro intui a cena com a indiferença dos que já testemunharam séculos de excessos, sabendo que a gula é, afinal, apenas outra forma de fé.