Há algo deliciosamente teatral no modo como Lisboa enfrenta os nove graus. Nove! Um número que noutras latitudes seria recebido com alívio, quiçá entusiasmo, mas que aqui assume proporções apocalípticas. À primeira brisa mais agreste, desata uma coreografia coletiva de casacos que não viram a luz do dia desde o último solstício de inverno, cachecóis que mais parecem mantas e luvas que, com um leve exagero, poderiam pertencer a uma expedição polar.
No metro, os semblantes são de sofrimento. Ouvem-se sussurros de que frio, meu Deus, que frio como se cada grau a menos face à temperatura primaveril do fenecido outono fosse uma afronta pessoal. Alguém arrisca dizer que isto é como viver no Alasca, e ninguém se ri. Estão todos ocupados a respirar pelas golas dos casacos, numa tentativa desesperada de criar o seu próprio microclima.
As cafetarias tornam-se santuários improvisados, onde chás e galões são empunhados como armas contra o inverno apocalíptico. As cadeiras tremem sob o peso dos casacos em camadas, empilhados como se cada cliente tivesse saído de casa preparado para um exílio na Sibéria.
Curioso, é claro, que neste mesmo cenário há sempre um ou dois excêntricos que, como personagens saídas de um romance beatnick, decidem apresentar-se de t-shirt. São olhados com uma mistura de inveja e repulsa, como quem desafia uma ordem natural inquestionável.
E no entanto, há algo reconfortante nesta tragédia coletiva. Lisboa, com os seus nove graus de dramatismo, é também um palco onde, por breves dias, todos partilham a mesma queixa. No fundo, não é do frio que falamos, mas de uma saudade térmica qualquer, uma vontade de nos unirmos em torno de algo tão intangível como o vento gelado que desce a Avenida da Liberdade.
Afinal, quem precisa do Cabo das Tormentas quando se tem a criatividade lisboeta para transformar nove graus numa epopeia?
O problema é que as pessoas já saem com frio de casa, porque tirando as modernas que já estão equipadas com AC, as outras estão mal preparadas para temperaturas baixas, com janelas e portas a deixarem passar o ar e o vento. A eficiência energética é só para o bolso de alguns com benefícios fiscais a entrarem só depois da despesa efetuada.
ResponderEliminarPara além de sermos um povo de brandos costumes, também estamos habituados a climas temperados, o que por si só causa reação adversa a tudo que não seja morno, morninho.