Não fora Isabel da Nóbrega e Blimunda chamar-se-ia Mariana Amália. Não fora Isabel da Nóbrega e Saramago não teria escrito o Memorial e, provavelmente, nunca teria ganho o Nobel. Compare-se a escrita de Saramago antes de viver com Isabel e após estarem juntos: quanto o ensinou ela a escrever.
Penso nisto, sempre, ao regressar a “Viver com os outros”, que Isabel escreveu antes de partilhar a vida com Saramago e que mostra uma escritora vastamente superior ao que ele era na altura. Para se dedicar a ele, ela apagou-se. E depois, apagou-a ele das dedicatórias nos livros, em particular na dedicatória do Memorial. Na edição que tenho, ainda está. Noutras, pós Pilar, não. Ficaram contudo, os olhos de Blimunda, que são os de Isabel — e disso ele não conseguiu desfazer-se.
Já o primeiro marido de Isabel, João Gaspar Simões, havia tentado aniquilá-la literariamente, escrevendo um romance sujo para denegri-la. Depois Saramago, tentou obliterá-la. Os livros de Isabel da Nóbrega não são reeditados. As três mil crónicas que escreveu para a imprensa, na sua prosa brilhante, nunca foram coligidas na totalidade — apenas uma recolha parcial, há muito desaparecida.
A família de Agustina Bessa-Luís — a filha, mas sobretudo a neta, que fez o trabalho de fundo — conseguiram que as crónicas, provavelmente tantas quanto as de Isabel da Nóbrega, fossem editadas em três espessos e maravilhosos volumes.
A família de Maria Judite de Carvalho — filha e netas — conseguiram que também as suas preciosas crónicas fossem editadas, pela primeira vez, nas obras completas, em seis livros.
Do lado de Isabel da Nóbrega, a família continua, assim parece, o caminho já trilhado por Gaspar Simões e Saramago: o da eliminação deliberada da memória de Isabel, tanto enquanto mulher como enquanto escritora.
Isabel da Nóbrega, contemporânea de Agustina e de Maria Judite, e uma das melhores escritoras portuguesas do século vinte, podia ser personagem de um livro de qualquer uma delas: uma mulher tão brilhante, que todos querem apagar, por se sentirem ameaçados, por ela, nas respetivas e retrógradas crenças.
Suspeito, ou pelo menos tenho a esperança, de que a força dela continua a ser infinitamente maior do que a dos que, ainda hoje, se esforçam, por atos ou omissões, para a relegar ao olvido.
Também brilhante e incrivelmente lúcido este seu texto.
ResponderEliminarFoi Isabel da Nóbrega quem levou Saramago pela primeira vez ao Convento de Mafra (no carocha dela). E ele nem queria ir. Só daí é que surgiu a ideia do Memorial. Não fora Isabel e não haveria o livro. E ele depois trata-a com tal despeito…
EliminarMuito obrigado pelas suas palavras, CC!