19.1.25

O conforto das contradições

É curioso como a expressão “zona de conforto” se tornou a máxima moral da nossa era, uma espécie de mantra motivacional reciclado em palestras, livros de autoajuda e, claro, nas redes sociais, onde aparece invariavelmente acompanhado de fotografias de montanhas ou praias desertas. Quem a proclama fá-lo com uma confiança desconcertante, como se jamais tivesse conhecido a lassidão de um sofá num domingo chuvoso ou a sedução de uma rotina bem calibrada. O paradoxo reside no facto de que os seus maiores defensores costumam anunciá-la de poltronas lustrosas ou escritórios climatizados, enquanto incentivam os outros a trocarem caminhos balizados por terrenos inóspitos.

A ironia é particularmente comovente quando observamos que, na maioria dos casos, essas vozes são emanadas de uma posição invejavelmente estável – emocional, financeira ou geográfica. Dizer a um público menos afortunado para abandonar a sua “zona de conforto” soa menos a conselho altruísta e mais a uma tentativa de exportar um incómodo inexistente. Afinal, não é difícil pregar o desconforto como virtude quando se tem um colchão de penas metafórico (ou literal) à espera. Aqui, o conceito não é apenas uma contradição: é um privilégio mal disfarçado sob o manto de uma suposta coragem.

Sejamos francos: o conforto não é o inimigo, mas sim o bode expiatório. Na ânsia de tornarem a inquietação produtiva, os promotores de caminhos pedregosos para os restantes, esquecem que algumas das melhores ideias – e das mais perigosas, para quem vende certezas – surgem precisamente no aconchego do ócio. Talvez devêssemos desafiar quem usa a dita “zona de conforto” de outrem como estandarte de moralidade a experimentar o desconforto genuíno de se calarem, uma vez que sair desse hábito discursivo seria, sem dúvida, uma verdadeira aventura.