1.1.25

Primeiro dia, primeiro compromisso

O primeiro dia do ano é aquele raro capítulo em que até o mais dedicado aficionado pelas esplanadas — aquele que se senta ao frio com o entusiasmo de um explorador polar, jurando que nada supera a comunhão entre o café e a rua — se encontra encurralado. Há algo na combinação de ressacas discretamente disfarçadas e ruas desertas que transforma as cidades em desertos urbanos, onde nenhuma máquina de café gira, nenhum empregado sorri, e nenhuma chávena fumegante é servida com o gesto seguro de um barista. O verdadeiro culto da esplanada é posto à prova; até os mais fiéis são forçados a enfrentar a solidão de uma cápsula de nespresso, o som da máquina como único eco de civilização.

Mas não nos enganemos: o ritual continua, adaptado às circunstâncias. A chávena escolhida é a mais bonita da casa — talvez até se improvise um guardanapo de pano, numa tentativa vã de recriar o brilho do hábito. E, ainda que a cadeira da cozinha não tenha o charme da cadeira de ferro gelado da esplanada, o sacrifício é feito com a mesma solenidade. Os mais obstinados talvez coloquem cachecol e bebam o café junto à janela aberta, enfrentando uma brisa matinal quase escandinava, enquanto fingem que estão na sua mesa habitual com vista para os escapes dos automóveis azafamados. É este o espírito humano em jogo, a resistência silenciosa contra a tirania do feriado nacional.

8 comentários:

  1. Lisboetas:) Aqui na vilinha Alentejana para onde vim, o central estava aberto e a esplanada cheia. Certo que o fogo de artifício do bairro, comprado em comunhão pelos vizinhos não era comparável ao do Tejo ou do Sado mas ainda assim tinha a sua graça. Bom ano!

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    1. Que sorte essa vilinha alentejana onde a vida parece resistir à suspensão geral do dia 1. Talvez seja aí que mora o verdadeiro espírito das esplanadas: onde a comunhão supera a grandiosidade, e o fogo de artifício partilhado se torna mais quente que o brilho distante do Tejo. Bom ano – e que os cafés abertos continuem a ser um pequeno milagre diário, os templos não convencionais de um quotidiano que ansiamos acolhedor.

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  2. Feliz Ano Novo 🍀
    O primeiro dia do ano é sempre algo especial. Há sempre um acontecimento ou um compromisso específico pelo qual se está ansioso. É uma óptima oportunidade para estabelecer novas metas e recarregar as baterias para os próximos 365 dias.

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    1. Feliz Ano Novo também para si. O primeiro dia tem, de facto, essa aura peculiar, como se carregasse a promessa de renovação embutida na quietude das ruas. Que as suas metas para os próximos 365 dias sejam mais que compromissos – que sejam pequenos gestos de resistência contra o rigor obstinado do calendário.

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  3. Não está só Xilre, também comecei mal ao percorrer vinte quilómetros e levar a família a almoçar fora e quando lá cheguei bati com o nariz na porta fechada. Está tudo rico...!

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    1. Ah, essa travessia em busca do almoço perfeito e encontrar a porta fechada é quase um rito de passagem do dia 1. Talvez seja a forma do universo nos lembrar de que o estoicismo é a primeira virtude do ano novo. Que 2025 lhe traga menos quilómetros perdidos e mais refeições inesperadamente abertas – quem sabe, talvez até numa esplanada soalheira.

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  4. Conheço gente assim, que corre a cidade em busca de um café aberto e cultiva a esplanada como se verão fosse. Não consigo entender o apelo das esplanadas. Nos dias frios, um bom café ou mesmo um capuccino pedem-me interior que acolha tal magnificência bem quente.

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    1. Cara bea,
      há quem veja na esplanada uma espécie de altar ao improvável, um espaço onde o frio se torna secundário perante o ritual do café sob o céu aberto. Mas entendo bem o apelo do interior: há algo profundamente reconfortante numa chávena fumegante, mãos aquecidas, e a sensação de que, por um breve instante, o mundo lá fora pode esperar. Talvez a esplanada seja o desafio e o interior, a recompensa – dois lados do mesmo culto, onde cada fiel escolhe o seu altar.

      E, no fundo, o mais importante não é onde, mas o acto em si – erguer a chávena como quem brinda ao advir de mais um janeiro.

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