5.7.25

O meu papel

A produção de papel pode acabar amanhã no mundo, que eu ainda conseguiria suprir as minhas necessidades de cadernos assim como as de um pequeno ou até médio país, talvez uma Espanha ou, quem sabe, uma Alemanha -- mais milhão menos milhão de cidadãos, ansiosos por deixarem aos vindouros as respetivas memórias cuidadosamente curadas. Japão, não prometo, que os nipónicos gostam pelo menos tanto de papel de escritas como eu; Índia ou China, não, de todo, que a minha capacidade de armazenamento não chega para tanto. Ah, vontade, sim, mas vontade não se traduz facilmente em volumetria de espaço disponível. Também teria capacidade de abastecer de canetas, esferográficas, tinteiros e tudo o que possa deixar marcas vivas ou ténues no dito papel o país feliz contemplado pelo meu tesouro de folhas alvas. Agora, em especial, que descobri fornecedores do outro lado do mundo que são capazes de entregar em menos tempo do que eu mudo de ideias, todos os formatos necessários -- e tantos o são. Pois existe uma porção de A, do 6 ao 4 (até A3, para a impressora, mas isso noutra secção), de B, idem, e até de H, que também os há (como o H5, uma espécie de A5 tratado a Ozempic). Ou todas as cargas de caneta, e variações de formulações de tinta. Gosto dos cadernos cosidos mais do que dos agrafados, e gosto das folhas creme mais do que das brancas. Das capas de cartão kraft, dos cantos arredondados, que estejam sempre à distância de um impulso de escrita, ainda que seja, como é, na maioria das vezes, uma minudência inconsequente. Hão-de faltar-me as palavras antes que me falte o papel. E é assim que deve ser. Ou não, leitora?

9 comentários:

  1. O Xilre tem uma verdadeira admiração por tudo relacionado a cadernos, canetas e papel, valorizando cada detalhe, desde os formatos até as preferências da capa e cor das folhas. É interessante como eu também sou uma obcecada por esse universo de papel e escrita.

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    1. O papel: a textura, o aroma, a cor. O lado sensorial da escrita num caderno é inimitável em qualquer outro meio.

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  2. Se o Xilre o diz, quem sou eu para o contradizer...Há 3 meses sem por aqui aparecer, onde nem de papel precisa, imagino que tenha andado por esse mundo afora na compra de papel...Andou?
    Seja como for, fiquei muito contente por revê-lo. :-)
    Saúde!

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  3. Bem retornado seja, Xilre.

    Não sei se está, ou não, errado, mas a verdade é que a minha caligrafia já não é a maravilha que em tempos foi, a mão dói-me e eu perdi completamente o hábito de escrever sobre papel. Foi mera questão de sobrevivência, exagerando um pouco, claro, que teimar em escrever sobre papel branco com caneta preta não me mataria. Mas as dores e cãibras, por estoica que eu seja, acabariam por matar a minha Musa.

    Hesito em desejar-lhe outra coisa que não seja o impossível: que nunca lhe faltem as palavras nem as folhas de papel.

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    1. Muito obrigado! Creio que acumulo cadernos com a (vã) esperança de que eles sobrevivam -- com excesso -- ao tempo inevitável em que as palavras esmorecerão.

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  4. Não tenho preferências por papel, cada vez estou mais impossibilitada da escrita manual e no portátil. Perdi tudo ou grande parte do que fui atirando para a nuvem e não guardei noutro lugar. Os meus vindouros ficam com uma catrefa de livros comprados para deitarem ao lixo ou onde lhes aprouver, que nada me acorda. As marcas que deixo serão o que com eles vivi e se breve as esquecerem, também não se me dá. O meu futuro, como o da demais gente, é um nada. Ou, para os esperançosos, um nada disto que vivemos.
    A permanência está a perder o meu interesse. Vamo-nos diluindo até sermos um quase nada. E isso, suponho, é a preparação necessária a quem vive mais. Um débito que pagamos à vida.
    E que seja um bom regresso, Xilre.

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    1. Muito obrigado! Creio que escrevemos em papel mais pelo presente, pelo imediato, do que pelo futuro. O futuro é o pretexto, na verdade, a justificação racional (?), quando a razão, muitas vezes não expressa é, simplesmente, a escrita pela escrita, o prazer de marcar o papel, mais do que o da posterior leitura que, amiúde, não voltamos a fazer.

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