25.2.25

A conspiração das estantes

As estantes fingem ser humildes. Apresentam-se como simples organizadores, dispostas a sustentar livros com a mesma indiferença com que um pedreiro empilha tijolos. Mas essa modéstia é uma fraude. No fundo, as estantes não são apenas móveis – são arquiteturas de poder. Classificam, hierarquizam, impõem ordem onde deveria haver caos, reduzindo a experiência da leitura a um jogo de simetrias e lombadas alinhadas. Fazem-nos acreditar que o conhecimento é proporcional ao número de prateleiras preenchidas, como se a sabedoria pudesse ser armazenada em gavetas ou numerada por edições.

As bibliotecas são os templos máximos dessa ilusão. Erguidas como monumentos à erudição, escondem o facto de que todo o saber organizado é também um saber filtrado. Cada livro guardado significa um outro perdido, esquecido, recusado. O que parece uma acumulação infinita de conhecimento é, na verdade, um edifício de escolhas arbitrárias, onde a poeira e o esquecimento formam o verdadeiro catálogo. Há mais ideias apagadas do que preservadas, mais verdades ignoradas do que impressas.

E no entanto, continuamos a confiar nelas. Empilhamos volumes, organizamos por tema, por cor, por autor, convencidos de que o pensamento pode ser domesticado como um arquivo. Mas a verdade é que os livros mais perigosos nunca estão nas estantes – estão espalhados pelo chão, abertos na mesa de cabeceira, anotados à margem, esquecidos num banco de jardim, transformando-se, aos poucos, numa nova forma de desordem.