19.4.25
O corpo e o signo
Marcam no calendário uma data. Uma data onde, asseguram, o tempo se partiu. Não em dois, como a lança do centurião, mas numa fenda subtil — onde a morte deixou de ser um fim absoluto e se fez parêntese, crepúsculo antes de uma aurora improvável. O paradoxo não reside tanto no corpo que se levanta do pó — os mitos antigos conhecem regressos —, mas na identidade que o habita. Será aquele homem, que as narrativas fixaram na cruz, o mesmo que caminhou depois? Uma miragem sólida, um eco da eternidade projectado no instante? Os teólogos esgotaram bibliotecas inteiras a decifrar este enigma, construindo labirintos de dogmas sobre a areia movediça de um sepulcro vazio. Mas talvez a verdadeira Páscoa não seja o milagre da carne rediviva, mas a leitura inesgotável da sua ausência — a vertigem de sentidos que se multiplicam nos manuscritos empoeirados, nas conversas noturnas, na suspeita de que a eternidade possa ser apenas a memória infinita de um único, perturbador, segundo.