22.7.25

Ler mais

Depois de ter levado a primeira metade do ano a ler quase em exclusivo poetas portuguesas e portugueses, livros publicados nesta década, constatei hoje, ao rever a lista de títulos e autores, que não recordo qualquer poema, um verso sequer, algo que possa dizer numa tertúlia literária, numa sombra de esplanada. Não haverá, decerto, relação com a qualidade das obras, com a arte dos escribas ou o olhar cirúrgico dos editores. A falha só pode ser da minha esparsa memória, das noites curtas e dos dias longos, do excesso de leitura, ou -- talvez mais acertadamente -- da falta de leitura. Porque, quem sabe, me escapou quem me faria decorar versos como me aconteceu ao longo de décadas com Eugénio, com Herberto, com Sofia, com Pessoa (claro). A solução é sempre, em caso de dúvida, ler mais. Tenho a certeza de que a leitora não discordará -- pois não?

11 comentários:

  1. Certifico: é problema seu e não dos versos ou dos poetas. No andamento da velhice - longe de mim chamá-lo velho, caro Xilre -, a memória festeja a leitura, dança sobre ela, sacode os pés ainda assim uma poeirazita lhes fique nos interstícios, e continua caminho sem acusar o toque. Pergunte-me o que li eu durante um ano e nem os títulos lembro quanto mais o resto. O presente escorre, não se nos agarra. Fazer o quê?!

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    1. O problema é que eu até tomo nota dos títulos -- e dos respetivos autores, naturalmente. Mas nem assim se aviva a memória do que por lá está escrito. Como se a poesia atual fosse -- talvez -- uma prima distante da homeopatia.

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  2. "Só gosto das pessoas boas
    quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy
    sei lá o quê
    se não são boas pessoas
    não prestam"

    Um fácil de decorar, da Adília Lopes.

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    1. E eu concordo bem com ela -- mas lá está, Adília publicou este poema na década passada. Não invalida, portanto, a falha da minha memória quanto à poesia publicada nos últimos cinco anos.

      Aqui fica, para a troca, um dos meus primeiros encantamentos, de Eugénio de Andrade, andaria pelos meus dezasseis anos, algo assim:

      "Cantas. E fica a vida suspensa.
      É como se um rio cantasse:
      em redor é tudo teu;
      mas quando cessa o teu canto
      o silêncio é todo meu."

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  3. A POESIA É O AUTÊNTICO REAL
    ABSOLUTO, ISTO É O CERNE DA
    MINHA FILOSOFIA.
    QUANTO MAIS POÉTICO, MAIS VERDADEIRO.

    Ler NOVALIS é a melhor alternativa.

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    1. Para troca, António Ramos Rosa, outro fascínio meu desde jovem:

      "Para um amigo tenho sempre um relógio
      esquecido em qualquer fundo de algibeira.
      Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
      São restos de tabaco e de ternura rápida.
      É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
      É um copo de vinho com o meu sangue e o sol."

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  4. Ler mais. Sempre. Ainda que não fiquem de cor as palavras, senão o gosto delas.
    "Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
    Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
    com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
    Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
    dentro do fogo.
    — Temos um talento doloroso e obscuro.
    Construímos um lugar de silêncio.
    De paixão"

    Um abraço, Xilre.

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    1. Para troca, um dos meus poetas contemporâneos favoritos -- ainda que em inglês: Jericho Brown.

      "Crossing

      The water is one thing, and one thing for miles.
      The water is one thing, making this bridge
      Built over the water another. Walk it
      Early, walk it back when the day goes dim, everyone
      Rising just to find a way toward rest again.
      We work, start on one side of the day
      Like a planet’s only sun, our eyes straight
      Until the flame sinks. The flame sinks. Thank God
      I’m different. I’ve figured and counted. I’m not crossing
      To cross back. I’m set
      On something vast. It reaches
      Long as the sea. I’m more than a conqueror, bigger
      Than bravery. I don’t march. I’m the one who leaps."

      Boa quinta, Maria Eu

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    2. A Maria Eu não pode traduzir o poema? Suponho que, os que como eu são apenas iniciados na língua, não destrinçam o âmago poético.
      Bom dia

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  5. Há tanta poesia a circular que percebo o que nos narra.
    Boa tarde!

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    1. Será possível que a inflação de poesia cause o efeito de todas as inflações? Suspeito que sim...

      Uma boa tarde de domingo!

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