18.11.24
Teclar
No final, durante as palmas, o vizinho da fila de trás irou-se com a vizinha do lugar ao lado do meu por esta ter estado o concerto todo, as duas horas em pleno, com o telemóvel ligado. Pensei então que há quem ouça a música com os ouvidos, outros com a alma, e outros ainda, incapazes de escutar, apenas procuram no brilho de um ecrã o reflexo do que lhes falta.
17.11.24
Altura improvável
Apesar da elevadíssima estatura mundial como pianista, as agulhas vertiginosas dos Louboutin não chegavam ao chão quando os pés assentavam nos pedais.
Entre as cartas e o cante
No sábado, no centro de Lisboa, enquanto saboreava as minhas sopas de cação, a mesa à esquerda debatia o tarot com a seriedade de quem busca sentido onde ele nunca esteve. Do lado direito, um grupo feminino de cante alentejano decidiu brindar os comensais com ‘o passarinho cantou, às quatro da madrugada'. Entre as cartas e o cante, pensei que, talvez, naquele restaurante, só as sopas estivessem — realmente — no lugar devido.
16.11.24
Dois dedos
À porta do restaurante, a fila era agora parte da paisagem. Um casal aproxima-se. O homem levanta dois dedos: «Somos dois.»
O empregado, com um sotaque alentejano a lembrar um verso de cante, pergunta: «Com ou sem reserva?»
O homem, como se ecoasse o refrão, responde: «Com fome.»
a ressonância da cor
um vermelho repousa nos bastidores
com murmúrios presos nas margens da aurora
um azul derrama-se em silêncios
preenchendo as fendas do esquecimento
um verde avança com um sopro trémulo
prometendo raízes e voo
a vida pulsa
nos tons que ousamos ver
e nos que ainda não aprendemos a nomear
15.11.24
A felicidade e as serras
A melhor raia do ano, à data de meio de novembro, degusto-a, ao rés do verde, em Penela. Bem diz o ditado: quem quer mar, avia-se na serra. E, se não diz, devia dizer.