26.10.25
Um epicurista
19.10.25
O mandato
Ao motorizado entregador de comida, de uma daquelas inúmeras plataformas com nomes como Uber Eats ou Glovo ou Bolt, que vinha em contramão numa rua estreita algures entre o Largo de Camões e São Bento, numa povoada tarde de sábado, condutor esse que pareceu pedir desculpas por via de alvíssimo e contrito sorriso, face ao meu olhar que deve ter aparecido, do outro lado do pára-brisas, como de surpresa combinada com pânico, a esse entregador, digo, não vociferei as palavras inspiradas pela situação, em colorido vernáculo de Bocage, porque aprender a conduzir em Lisboa é tarefa para uma vida e não se cumpre em dois ou três anos, porque as escolas de condução em Karachi têm decerto padrões diversos dos das congéneres em Lisboa e, em especial, porque às quatro da tarde já o almoço ia fora de tempo, um portador de nutrição tem praticamente o mandato de um bombeiro, e em tais circunstâncias, o que é que não é justificável aos olhos de qualquer divindade, seja das de cá ou das de lá?
21.9.25
Mesteres
21.8.25
Da arte
8.8.25
Travessia
A água é uma só coisa, e uma só coisa por milhas.
A água é uma só coisa, e torna esta ponte,
Erguida sobre ela, noutra. Caminha-a
Cedo, e volta a caminhá-la quando o dia esmorece — todos
Se erguem apenas para reencontrar o descanso.
Trabalhamos, começamos de um lado do dia
Como o único sol de um planeta, olhos fixos
Até que a chama desça. A chama desce. Graças a Deus
Sou diferente. Calculei e pesei. Não atravesso
Para voltar. Estou firme
Numa coisa vasta. Estende-se
Tão longa como o mar. Sou mais do que um vencedor, maior
Que a bravura. Não marcho. Sou o que salta.
[Jericho Brown, versão de x. Poema apresentado nos comentários num post abaixo.]
27.7.25
O mundo ao contrário
Menina Shakti agarra-me os tornozelos e puxa-me as pernas -- o com elas o corpo todo -- para mais perto do tecto. Não que eu estivesse a fazer batota, ou pouco concentrado na prática, mas no quotidiano sou mais adepto de ter a cabeça acima dos ombros e não abaixo deles. Os pés lá em cima, acontece-me com menos frequência e, em geral, só aqui, na aula de ioga. Tirando isso, e que me recorde, apenas aquele tombo aparatoso, faz agora vários anos, na calçada polidíssima, reluzente, do verão de uma da sete colinas. Ver o mundo ao contrário, mais do que uma ciência, é uma arte: não pode ser deixado aos acasos e acidentes inestéticos e dolorosos de um amador. Mais uns meses, leitora, e serei especialista em estar de cabeça no chão. De cabeça no ar, prática não me falta. Para mudar de hábitos, aqui como em tudo, o melhor é começar por baixo, que é onde as certezas costumam perder a compostura.