19.10.25

O mandato

Ao motorizado entregador de comida, de uma daquelas inúmeras plataformas com nomes como Uber Eats ou Glovo ou Bolt, que vinha em contramão numa rua estreita algures entre o Largo de Camões e São Bento, numa povoada tarde de sábado, condutor esse que pareceu pedir desculpas por via de alvíssimo e contrito sorriso, face ao meu olhar que deve ter aparecido, do outro lado do pára-brisas, como de surpresa combinada com pânico, a esse entregador, digo, não vociferei as palavras inspiradas pela situação, em colorido vernáculo de Bocage, porque aprender a conduzir em Lisboa é tarefa para uma vida e não se cumpre em dois ou três anos, porque as escolas de condução em Karachi têm decerto padrões diversos dos das congéneres em Lisboa e, em especial, porque às quatro da tarde já o almoço ia fora de tempo, um portador de nutrição tem praticamente o mandato de um bombeiro, e em tais circunstâncias, o que é que não é justificável aos olhos de qualquer divindade, seja das de cá ou das de lá?

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