Ao motorizado entregador de comida, de uma daquelas inúmeras plataformas com nomes como Uber Eats ou Glovo ou Bolt, que vinha em contramão numa rua estreita algures entre o Largo de Camões e São Bento, numa povoada tarde de sábado, condutor esse que pareceu pedir desculpas por via de alvíssimo e contrito sorriso, face ao meu olhar que deve ter aparecido, do outro lado do pára-brisas, como de surpresa combinada com pânico, a esse entregador, digo, não vociferei as palavras inspiradas pela situação, em colorido vernáculo de Bocage, porque aprender a conduzir em Lisboa é tarefa para uma vida e não se cumpre em dois ou três anos, porque as escolas de condução em Karachi têm decerto padrões diversos dos das congéneres em Lisboa e, em especial, porque às quatro da tarde já o almoço ia fora de tempo, um portador de nutrição tem praticamente o mandato de um bombeiro, e em tais circunstâncias, o que é que não é justificável aos olhos de qualquer divindade, seja das de cá ou das de lá?
Vou ser parcial: qualquer que seja a urgência há que cumprir as regras de trânsito do país em que se vive e não as de origem. Ponto.
ResponderEliminarAtenuantes: eles vêm lá de trás do sol posto, parecem guiar sem carta de condução (será que não a compraram?!), têm imenso trabalho em espera e podem ser despedidos se não cumprem os ditos mínimos que são sempre máximos. Quero dizer que são explorados. E serem, por regra, jovens, ajuda a essa alegre inconsciência sobre a infracção.
Em defesa do primeiro ponto: atentar contra a integridade física de outrem e de si mesmo não possibilita a sobrevivência. Portanto, Xilre, deixe as atenuantes de lado. Lisboa e mesmo a província estão a tornar-se perigosas para os condutores. Na província os indianos, paquistaneses e afins, não utilizam piscas, não param nos cruzamentos, aceleram onde deviam abrandar, desconhecem as regras da prioridade. Garanto-lhe que, a conduzir, são mais perigosos que eu. E se o Xilre tiver o azar de um acidente com qualquer deles? Bom, aí as coisas complicam - ou não têm carta, ou não têm seguro, não pagaram o IUC...e depois, quem lhe paga a si os estragos tão claramente expostos?!
Será que nos temos de habituar a eles? OU serão eles que, daqui a uns anos, depois de acidentes e acidentes, se habituam às nossas regras? Não sabemos.
Bom Dia!
Já era altura de os proibirem. Refiro-me, como será evidente, ao uso de tais veículos motorizados...
EliminarTenho o sonho de que um dia caia a moeda à autarquia lisboeta (...) e os tuk tuks e outros veículos que mais não são do que poluição sonora e visual deixem de poder circular pelas ruas da capital. E ainda que a dita autarquia tenha a coragem de tornar muito mais ruas totalmente pedonais, já que vias com traçado do século XI soçobram sob a circulação do século XXI. Mas é uma utopia, mais do que um sonho. Boa semana, bea e alfa17.
EliminarBonito o seu olhar compreensivo numa sociedade que o está a perder. Tanto tempo sem nada nos dizer, faz falta a sua voz, não deixe de escrever!
ResponderEliminarMuito obrigado, CC. Creio que existe nalguns elementos da sociedade portuguesa a ideia de uma Lisboa mítica, de monocultura cristã e, digamos assim, "ocidental" na sua grande maioria. O mito não resiste à leitura do relato de qualquer viajante dos muitos que foram passando pela cidade ao longo dos séculos. Não será por acaso que Lisboa tem um bairro chamado Mouraria, outro cujo nome vem de "al-hamma" (fonte de água quente), outro que provém de "al-qantâra" (aqueduto)... e por aí adiante. "Um povo que não conhece a sua História está fadado a repeti-la." Se os portugueses a conhecessem, muitos dos dislates que se ouvem na televisão e por outros lados, nunca chegariam a ser proferidos. Um boa semana!
EliminarBem, caro Xilre, será que a economia justifica tudo? A sua chegada, as suas ações, a urgência da entrega?
ResponderEliminarÉ capaz de ser bem pensado, porque em caso de choque ou simples batida, os bate-chapas também têm de sobreviver.
Já agora, a sua intermitência não causa morte, mas algum sofrimento indesejável aos leitores.
Boa noite.
Caro Joaquim, não entendo as urgências de quem encomenda hamburguers para entrega doméstica -- mas creio que os entregadores têm compromissos de tempos de entrega e daí as gincanas pelas ruas de Lisboa. Por mim, multaria os compradores, duplamente: por comerem tal comida de plástico, e por tanto contribuirem para tornar a cidade intransitável.
EliminarUma boa semana!